Introdução
O dia-a-dia de uma agência de publicidade é uma loucura: Prazos apertados (prazos vencidos), clientes nervosos, concorrências vencidas, perdidas e muitas madrugadas em claro.
Sem falar naquela que talvez seja a maior dificuldade de todas: A necessidade de ter idéias brilhantes (e vendedoras), todos os dias. Um trabalho 99,9% inspiração.
Talvez seja por isso que eu me identifico tanto com os Imagineers, ou simplesmente “Imagineiros”, como são conhecidos no Brasil os profissionais da Disney responsáveis pela “criação da magia”.
Sempre fui Disneymaníaco. Estive em Orlando cinco vezes nos últimos vinte anos e a cada retorno sinto aquele gostinho de primeira vez. Como é possível? Talvez só mesmo um Imagineer para responder a esta questão.
Já li muitos artigos, livros, participei de palestras (a da Ginha Nader é maravilhosa) e assisti à filmes e documentários relacionados aos segredos de Walt Disney World, mas a figura do Imagineer sempre me pareceu um tanto quanto misteriosa.
Como foi possível criar um ambiente tão mágico em cima de um pântano lamacento e mal cheiroso? Quem são estes “caras”? Como eles trabalham? Como conseguiram atingir a aparente perfeição naquilo que fazem?
As perguntas, dúvidas, questões, indagações, curiosidades são muitas, mas o destino me reservou uma grata surpresa há algumas semanas. E foi aqui mesmo, dentro da loucura diária da agência de publicidade onde trabalho.
Alguns colegas de trabalho iniciaram um movimento de “compartilhar livros”. Bem simples: Traga um livro para que ele seja “alugado” e também “alugue” livros que sejam do seu interesse.
Foi quando ao buscar nesta biblioteca um livro que pudesse me interessar, me deparei com um grande livro, um tanto quanto surrado e machucado pelo tempo. Na capa, o outline do Mickey em Fantasia e na “lombada” estava escrito: The Imagineers – Walt Disney Imagineering.
Sim, é isso mesmo. A “bíblia” dos Imagineers.
Após uma rápida folheada, percebi que tinha nas mãos um material fantástico e perguntei a quem o livro pertencia. Um amigo se identificou como o dono e antes que eu iniciasse a bateria de perguntas sobre o conteúdo, disse:
“- Pode ficar com ele.”
Aceitei prontamente.
Creio que ele não sabia o que estava fazendo, mas se achado não é roubado, dado é menos roubado ainda.
Procurei referências na internet sobre a publicação e pouco descobri. É realmente raro e apenas uma edição foi lançada. Limitadíssima. Está todo em inglês e possui informações, fotos e imagens magníficas.
Ao iniciar a leitura, imediatamente tive a idéia de, de alguma maneira, compartilhar um pouco do conteúdo com os amigos do VPO. Entrei em contato com a Greicy e chegamos à conclusão de que expor as imagens no site acarretaria em problemas legais.
Foi então que ela deu a idéia de que eu escrevesse uma matéria sobre o livro, expondo alguns dos fatos mais interessantes encontrados.
Com prazer!
Tudo começa com uma faísca
Na primeira página do livro existe um envelope, com o título de “Walt Disney Imagineering Inter-department mail. É um daqueles envelopes comumente utilizados em empresas para comunicação interna (com diversos campos para preencher o seu nome e departamento). A diferença é que este envelope não possui campo para destinatário.
Isto ocorre propositalmente, pois segundo os Imagineers, uma das melhores maneiras para construir e dar vida a uma nova idéia é escrevê-la em formato de um “memo” e passá-la adiante, entre as pessoas dos mais diversos departamentos (do financeiro ao depto de design). Conforme a idéia inicial passa de mão em mão, vai ganhando “outras idéias” e no final, o que era apenas uma faísca pode se tornar algo grandioso.
Aliás, foi assim que nasceu a idéia do livro.
Michael D. Eisner era o Chairman e CEO da Walt Disney Company quando surgiu a idéia da criação do livro e negou prontamente a criação do mesmo em um primeiro momento. Eisner pensou que não seria um “negócio muito inteligente” publicar um livro que revelasse os “processos secretos de Imagineering”.
Porém, quanto mais ele pensava sobre o assunto, mais interessado em levar a idéia para frente ele ficava, pois mesmo que o mundo inteiro soubesse exatamente como o processo de Imagineering funciona ninguém poderia fazer exatamente o que os Imagineers fazem.
E como dizia Walt Disney:
“-Não existe segredo sobre o que fazemos. Apenas seguimos em frente – abrimos novas portas e criamos novas possibilidades – simplesmente porque somos curiosos. E é a curiosidade é que nos move adiante. Nós estamos sempre explorando e experimentando novidades… chamamos isto de Imagineering – a mistura entre criatividade, imaginação e conhecimento técnico.”
Você não vai encontrar a palavra Imagineer no dicionário. Mas um Imagineer pode lhe dizer que esta palavra é tanto um verbo quanto um substantivo. E a palavra Imagineer se transformou em um dos sinônimos de Disney.
O nome combina imaginação e engenharia e descreve o que eles fazem e quem eles são. A criação de um nome para um grupo de profissionais cujo trabalho é criar idéias e transformá-las em realidade realmente demanda um pouco de Imagineering (o processo de criação desenvolvido pelos Imagineers).
E Imagineering pode ser definida como a essência de Walt Elias Disney.
Walt teve a primeira faísca de uma idéia para uma nova proposta de parque temático em 1951, quando ele e seu Diretor Artístico, Harper Goff, começaram a trabalhar nos primeiros conceitos e rascunhos. Em seguida, Walt reuniu um pequeno grupo de produtores de filmes do seu estúdio e os instruiu a dedicarem o seu tempo em desenhar e desenvolver idéias para este novo e único parque temático.
Walt mal sabia que este pequeno grupo de profissionais reunidos por ele iria crescer e, em breve, se tornaria a maior divisão de sua empresa. Bom, talvez Walt soubesse disso.
Até aqui, Walt sabia muito pouco sobre o lado em “três dimensões” do mundo do entretenimento, onde naquela época, feiras e pequenos parques de diversão eram tudo o que podia ser encontrado. Mas ele tinha muito conhecimento sobre filmes e televisão.
Movido pelo desejo de levar a sua paixão por “contar histórias” além do universo em duas dimensões, ele estabeleceu a idéia de que os visitantes que pisassem neste novo parque deveriam sentir como se estivessem entrando em um filme. Cada centímetro do local deveria ser parte de uma história, como um filme ou um show na televisão.
Walt então recrutou talentosos funcionários do seu estúdio, estabelecendo uma força tarefa “secreta”, baseada em pequenos escritórios ao redor da sua propriedade. Um seleto grupo de roteiristas, animadores, diretores, redatores, artistas, designers e figurinistas. Eram os responsáveis pela mágica Disney nos filmes, que agora estavam sendo desafiados a desenvolver a mágica da Disney também “em terra” – Disney land.
Eles começaram fazendo filmes, mas acabaram fazendo história. Nasciam os primeiros Imagineers.
Este pequeno time se tornou o coração da WED Enterprises (as iniciais significavam Walt Elias Disney), uma companhia independente criada em 1952 pelo próprio Walt para auxiliar no desenvolvimento do seu sonho, chamado de Disneyland.
Walt e o seu primeiro time de Imagineers reinventaram o conceito de parque de diversões ao inventarem o processo de Imagineering.
Durante o período de criação e desenvolvimento da Disneyland, o processo de “aprender sonhando e concretizar o sonho” foi empregado pela primeira vez.
E este foi apenas o início. Muito trabalho ainda estava por vir. A WED Enterprises se mudou de Burbank, Califórnia (onde funcionava o Disney Studio), para a sua própria sede, nas vizinhanças de Glendale.
O primeiro time de Imagineers se tornou praticamente uma família, uma vez que além da quantidade de trabalho que havia para ser feito, Walt fez uma promessa de que a Disneyland nunca deveria ser terminada – seria um projeto em constante mutação.
Desde aquele tempo, é claro, muito já foi realizado – e muito também foi modificado. Os Imagineers costumam dizer que a única constante que eles possuem é exatamente a questão da mudança.
Após o ano de 1966, os Imagineers tiveram que aprender como seguir em frente sem a liderança do seu grande sonhador, quando Walt Disney faleceu no dia 15 de Dezembro.
Após mais de três décadas, inspirados pelas lições de Walt, os Imagineers continuam unidos para trilhar, alcançar e ter sucesso nos seus objetivos mais ambiciosos, como o Walt Disney World Resort, Tokyo Disneyland, Disneyland Paris e Hong Kong Disneyland Resort.
Em 1984, Michael Eisner e Frank Wells passaram a liderar a Walt Disney Company e transformaram a WED Enterprises em Walt Disney Imagineering. Apesar da mudança do nome, a missão permaneceu a mesma e novos caminhos continuam a ser trilhados e alcançados.
Em 1996, a tradição de “mudar sempre” tornou a Walt Disney Imagineering ainda mais forte, quando esta juntou suas forças com a Disney Development Company, a organização responsável pelo desenvolvimento das ações Disney que ocorrem fora dos parques temáticos. Pela primeira vez, esta parceria única colocaria lado a lado os “sonhadores” e os “fazedores” que juntos iriam sonhar, desenhar e construir.
Como você pode imaginar um mundo de oportunidades ainda os aguarda. Sejam grandes atrações, hotéis ou até mesmo cidades. Desde os detalhes menores, como menus de restaurante, papéis de parede e latas de lixo, todo o trabalho será desenvolvido em parceria entre estes dois times de Imagineers.
É claro que para cada faísca de uma idéia que se torna real, existem centenas de outras que sequer passam de rascunhos, storyboards e modelos. Ao longo dos anos, os Imagineers reuniram mais de 50.000 peças de arte que foram criadas especialmente para auxiliar na visualização de idéias “faladas” ou escritas. Algumas delas estão retratadas no livro, seja um pequeno pedaço de papel amassado com alguns rabiscos ou a planta completa de um parque temático. E todas elas têm algo em comum: Todas começaram a partir de uma faísca.
A faísca
No processo de Imagineering, uma folha de papel branca pode existir no formato de um guardanapo, um bloco de espuma, um pedaço de argila ou uma parede (sim, eles rabiscam as paredes). A idéia inicial vai do cérebro para as mãos e das mãos para o papel em forma de palavras e/ou imagens.
As idéias são então compartilhadas com os outros Imagineers durante um processo muito conhecido: o brainstorming.
Normalmente, quando uma seção de brainstorming começa entre os Imagineers não existe regra. Tudo é possível. As seções podem durar horas, dias e até mesmo semanas (se incluírem donuts pode durar até um pouco mais).
Quando os Imagineers sonham e esboçam suas idéias, sentimentos como frustração e alegria são comuns. Cada idéia é abordada com a mente aberta, para que cada aspecto possa ser questionado, analisado e debatido. Algumas vezes, uma idéia é modificada completamente ou mesmo abandonada antes de deixar o pedaço de guardanapo para se tornar algo maior, como uma pintura ou um desenho, por exemplo.
O brainstorming só termina quando a idéia básica é definida, compreendida e aceita por todos os participantes. A herança deixada por Walt Disney determina que o trabalho em equipe seja o coração do processo de Imagineering.
Neste espírito, apesar de o processo ser composto por uma enorme diversidade de arquitetos, engenheiros, artistas, equipes de suporte, pesquisadores, mecânicos, guardas, economistas, produtores, carpinteiros, técnicos de som, paisagistas, etc., todos tem a honra de trabalhar sob o mesmo título: todos são Imagineers.
Curiosidades
São muitas informações disponibilizadas pelo livro relacionadas à simples faíscas que se tornaram realidade. Seguem algumas que julguei interessantes:
- Em 1964, o Imagineer John Hench criou um rascunho para representar uma nova atração que seria chamada de Space Port, a ser instalada em Tomorrowland, na Disneyland. A atração viria a ser conhecida como Space Mountain;
- Em 1966, Walt Disney desenhou um rascunho para ilustrar qual deveria ser o formato da sua propriedade recentemente adquirida na Flórida. No centro do terreno, um desenho em forma de pétalas de flores representava o Epcot, que viria a ser conhecido no futuro como o grande sonho de Walt. Quando Walt Disney World abriu em 1971, cinco anos após a morte de Walt, o Magic Kingdom foi cosntruído exatamente onde Walt o pusera neste rascunho (na região mais a oeste da propriedade). Uma década depois, o Epcot Center também foi inaugurado no local planejado por Walt neste mesmo rascunho;
- Durante a criação do conceito do Typhoon Lagoon, os Imagineers responsáveis desenharam potenciais temas para o novo parque. Entre eles um templo perdido, um navio naufragado e um navio encalhado na praia. Todos estes elementos levaram ao conceito atual do parque, que hoje é formado por objetos vindos de locais distantes que tenham sido alvo de grandes tempestades. Os visitantes que derem uma olhada mais de perto na “Miss Tilly”, o barco à vapor localizado no topo da montanha, podem ficar surpresos ao perceberem que ele vem do porto de Safen Sound, Flórida;
- Um pavilhão da Suíça em World Showcase já foi cogitado, inclusive existem desenhos sobre este possível novo pavilhão, que possuiria uma montanha similar à Mattehorn, atração da Disneyland;
- O pavilhão The Land, em Epcot, foi imaginado em um primeiro esboço como um tour através das diferentes zonas climáticas do mundo: desertos, florestas e uma região polar;
- A inspiração para a criação do Blizzard Beach veio do Imagineer Eric Jacobson, que tinha sobre a sua mesa do escritório um pequeno domo de neve (aquele que quando agitado “faz nevar”);
- A atração The Great Movie Ride (hoje localizada no parque Disney Hollywood Studios) foi desenhada originalmente para o Epcot e seria instalada entre os pavilhões Journey to Imagination e The Land;
- A Tower of Terror, atração do Disney Hollywood Studios, foi projetada para ser muito mais alta do que é hoje, porém, caso o projeto original fosse posto em prática, a torre deveria ter um sinalizador para aviões no seu topo (a lei do estado da Florida determina que após certa altura uma construção deva obrigatoriamente possuir um sinalizador para aviões). Desta maneira, os Imagineers chegaram à conclusão que este sinalizador iria arruinar o efeito criado pela atração e a construíram um pouco menor do que a altura limite para a não instalação do sinalizador;
- Walt Disney World é a “casa” das duas montanhas mais altas da Flórida: Everest (Animal Kingdom) e Big Thunder Mountain (Magic Kingdom);
- Na atração Peter Pans Flight, no Magic Kingdom, os supostos carros que estão rodando por Londres são na verdade correntes pintadas com uma tinta especial que brilha no escuro;
Fico por aqui! Aos amigos e amigas do VPO, espero que tenham gostado desta matéria. Ainda há muito a se falar sobre os Imagineers e caso tenham interesse em mais matérias deste gênero é só escreverem para o site.
Um grande abraço,
Vinícius Comper
Link relacionado no VPO: – Walt Disney Imagineering.